Como organizar uma rotina, e equilibrar com inovação em um mundo que valoriza o disruptivo? | Koru
Recentemente me deparei com um artigo (Research: When Extra Effort Makes You Worse at Your Job), que me fez refletir sobre um paradoxo que, coincidência ou não, tenho vivido nos últimos anos (ou seria década?).
Já transitei por áreas como Eficiência Operacional, Performance e até Crescimento Disruptivo. Fui moldada para ser agente de transformação. Mas, olhando em retrospecto, percebo o paradoxo: será que, em nome da disrupção, não estamos deixando de lado o que realmente sustenta o alto desempenho?
Produtividade não é só riscar bullets
Tem dias que a gente risca uma lista inteira do caderninho e vai dormir com a sensação de dever cumprido. Em outros, a lista segue intacta,mas a cabeça está fervendo de decisões difíceis, problemas complexos, alinhamentos e construções do zero.
E aí vem a dúvida: será que fui produtiva hoje?
Essa pergunta me atravessou com força. No fundo, é sobre isso: a falsa ideia de que produtividade é quantidade visível de ação, e não a profundidade de impacto daquilo que estamos gestando, articulando, segurando com as duas mãos em silêncio.
E aí, uma frase sempre ecoa: “90% dos resultados estão no cumprimento disciplinado da rotina” (para quem não conhece, um clássico do Prof. Falconi). Parece óbvio, mas é exatamente isso que seguimos desvalorizando.
Como líderes, queremos times transformacionais. Esperamos inovação constante, soluções disruptivas, apresentações inspiradoras. Mas esquecemos que esse esforço de disrupção, se mal calibrado, impacta justamente o que sustenta o negócio: a rotina. E quando a rotina desanda, o resultado escorrega.
Em tempos em que exaltamos o novo e o disruptivo, acabamos negligenciando a rotina bem-feita como diferencial competitivo. Como líderes, exigimos inovação constante, mas esquecemos que, sem consistência, não há base para o novo florescer.
Crescer na carreira é riscar bullets mais difíceis
A verdade é que crescer na carreira significa ter bullets cada vez mais difíceis de riscar.
Cada item agora exige articulação com áreas, negociação, análise crítica e — talvez o mais desafiador — tempo de qualidade num único assunto. A gente acaba jogando isso na caixinha da procrastinação, quando na real é maturação estratégica.
Nos dias em que estou entre um alinhamento sensível, uma decisão de produto e uma rodada de dados, tudo parece inconcluso. Mas ali está o trabalho real. É nesses espaços de cadência que se cria valor. Por isso, tenho aprendido a intercalar momentos de “quebração” de faca com mergulhos profundos — e a tratar isso como produtividade também.
E se…?
- E se a gente parasse de medir produtividade pelo número de bullets riscados?
- E se reconhecêssemos que o extraordinário nasce da repetição bem-feita?
- E se colocássemos a rotina no centro da estratégia com o respeito que ela merece?
A ilusão da inovação constante
Estudos apontam que 98% das inovações no mundo corporativo são incrementais. Pequenas, silenciosas, consistentes. Só 2% vêm das grandes rupturas (MassChallenge, 2023). Mas, e no discurso de LinkedIn, qual tem mais likes?
- Talvez a próxima grande entrega não venha de um hackathon, mas de uma terça-feira comum.
- Talvez ela venha dos dez 1:1s feitos com o time na semana.
- Talvez o que falte no planejamento do trimestre não seja mais uma iniciativa disruptiva, mas alguém cuidando da rotina com intenção.
Nem só rotina, nem só disrupção. Cadência
Claro que esse texto não termina com uma mensagem de autoajuda sobre “voltar para a rotina e tudo vai dar certo”. Porque aí eu estaria só maquiando o paradoxo que alugou minha cabeça nos últimos dias.
Focar só na rotina não resolve. Em especial, em negócios sem precedentes ou em contextos de early stage (estágio inicial). Poder se dar ao luxo de “só operar” é, sim, um privilégio. E dos grandes.
Então, em que lado eu estou?
Hoje, mais do que escolher lados, estou olhando para a cadência. Cadenciar entre atividades muito demandantes (que não vão riscar nenhum bullet hoje) e tarefas rápidas, mecânicas, que preservam energia e restauram clareza. Isso, talvez, seja o novo desenho da produtividade real.
E não só para mim. Mas para liderar melhor também. Para não exigir do time um extra-mile crônico que, num futuro próximo, pode virar só mais um commodity da área.
Refletindo sobre o texto propulsionador, percebo: no fim, é tudo biologia — como nosso cérebro opera; e matemática — o quanto a disciplina certa sustenta o resultado.
O que possivelmente sustenta o extraordinário é o ordinário bem feito.
E me atrevo a dizer: isso vale para liderar. E isso vale para viver.


