Se você habita o Brasil, é muito provável que tenha visto o novo comercial da Volkswagen, que une Maria Rita e Elis Regina (filha e mãe, respectivamente) ao som de uma das mais icônicas músicas cantadas por Elis.
No vídeo da propaganda de divulgação da nova Kombi da marca, a cantora, que faleceu na década de 1980, é mostrada viva, ao lado da filha, dirigindo um modelo antigo de Kombi e cantando Como Nossos Pais, a partir de uma construção possibilitada por Inteligência Artificial (IA).
O vídeo repercutiu bastante nas mídias, e as reações e sentimentos são as mais diversas possíveis em todos os cantos da internet, afinal, utilizar deepfake, recurso que emprega inteligência artificial para modificar ou sobrepor um rosto digital sobre uma imagem real, para trazer de volta às telas uma pessoa que já morreu, ainda é algo que gera estranheza e que abre uma discussão ética sobre utilização de imagem, consentimento e finitude da vida.
O comercial em si, como narrativa, foi impecável. A ideia de trazer o modelo antigo da Kombi sendo dirigido por uma mãe, e não qualquer mãe, mas a Elis, um dos grandes nomes de movimentos de revolução no Brasil, e de fazer lembrança a movimentos hippies, que tiveram como símbolo a própria Kombi, foi uma super sacada, que atinge direto as memórias com sua abordagem totalmente sinestésica.
E como se isso ainda não fosse suficiente para contar a história que sequer ainda temos a escolha da trilha sonora, canção de Belchior, que além de ter sido imortalizada na voz de Elis, tem sua letra encaixando perfeitamente no contexto de transformação e evolução, se tornando no comercial um clamor pelo novo, combinando totalmente com a proposta de lançamento de uma kombi elétrica.
Mas como a Elis foi criada para o comercial?
Para gerar o que vemos no vídeo, foi utilizada uma junção dos movimentos de uma dublê com uma IA de reconhecimento facial. Geralmente, a inteligência artificial é treinada com dados genéricos e preexistentes, mas nesse caso, o treinamento foi feito com foco na capacidade de uma IA reconhecer expressões faciais específicas da cantora para, assim, aplicá-las sobre a imagem da dublê, chegando a um resultado muito próximo do realismo.
É ético recriar imagens de pessoas mortas?
Essa é uma discussão super ampla e que envolve diversos setores da nossa sociedade. Alguns especialistas apresentam argumentos de que hoje, na legislação brasileira, já está previsto que os direitos autorais de pessoas mortas passam para a família, e isso de certa forma já respalda esse ponto.
Entretanto, outros estudiosos do tema rebatem, alegando que direito de reprodução se trata apenas de seguir reproduzindo livros, músicas, vídeos, que verdadeiramente já tinham sido feitos pela pessoa em questão e que a inserção de uma pessoa por IA em um contexto no qual ela talvez não tivesse concordado, se movimentando de formas que não se sabe se ela aprovaria, extrapola o limite de direito de uso por familiares.
Além disso, algumas frentes ainda levantam um ponto sobre a finitude da vida, e se realmente a sociedade está pronta para viver um mundo no qual as pessoas, de certa forma, podem deixar de ter sua finitude de vida, renovando o conceito do imortal e alertando sobre os impactos psicológicos que podem ser gerados nesse processo.
Eu, particularmente, como imensa fã de Elis, sempre tive no imaginário o quanto seria incrível poder ter visto ela cantando com a Maria Rita, o que me gerou uma emoção enorme ao assistir ao comercial. Mas, confesso que também experienciei um misto de sensações antagônicas.
Acredito que seja tão importante, cada vez mais, falarmos sobre isso, e abrimos espaços para conversas sobre os limites éticos e morais da utilização da IA.
E quais foram os sentimentos que invadiram você com esse comercial?