O mundo se movimenta como um pêndulo: de extremo a extremo. Geralmente, isto acontece até a humanidade perceber que o equilíbrio costuma ser o caminho mais sensato. Não estou falando de política, estou falando de trabalho.
Quando falamos da relação dos meus pais – e outros de sua geração – com o trabalho, vejo um vínculo superintenso com os lugares por onde eles passaram e onde permaneceram por muito anos.
A dinâmica era bem interessante inclusive, com as empresas fazendo um papel muito grande em envolver as famílias e em prover toda sorte de vínculo e benefício.
Ponto também supercristalizado para mim foram as inúmeras vezes que nos mudamos de casa em função de mudanças no trabalho do meu pai. Eu me readaptava na escola, minha mãe refazia sua rotina.
O mesmo aconteceu comigo quando comecei a trabalhar. Fui transferido diversas vezes, peguei inúmeros voos para fazer reuniões na sede das empresas por onde passei. Tudo muito normal, mesmo com seus contratempos.
Notem que não estou aqui falando de como a vida das pessoas é afetada por modelos de trabalho e não do modelo de trabalho em si. A forma como as empresas se organizam mudam o rumo que a vida das pessoas toma.
A discussão sobre o futuro do trabalho é sobre como as necessidades das pessoas e das organizações vão se equilibrar de uma maneira melhor.
Esqueçam remoto, presencial ou híbrido. Sempre pensem em planejamento de negócio e planejamento de vida. Combinado?
De qualquer forma, a máxima de um mundo totalmente presencial veio abaixo na pandemia e o remoto, para algumas profissões, foi verdade.
Digo algumas porque setores enormes da economia são necessariamente presenciais para a imensa maioria dos trabalhadores e, embora haja alguma digitalização, ela ainda é incipiente. Cito dentre estes setores a Indústria, agronegócio, logística e saúde como exemplos.
O que houve nesta fase foi um imenso experimento social em escala global. As pessoas e as empresas puderam sentir as consequências de uma alteração de modelo tão grande e com isso vieram seus benefícios e suas dúvidas, mas, sem sombra de dúvidas, desencadeou uma discussão muito positiva sobre como o trabalho pode ser melhor e mais equilibrado.
O ponto é que, mais uma vez, houve um movimento pendular. Do totalmente presencial ao totalmente remoto, principalmente nos grandes centros, e o questionamento que surgiu na virada deste ano nas empresas foi: Como vamos fazer?
A conclusão mais óbvia para mim desde o início era de que não retornaríamos ao modelo anterior à pandemia e nem seríamos totalmente remotos como em alguns casos fomos obrigados a ser.
Deveríamos, portanto, experimentar modelos e ajustar conforme as experiências avançassem.
O ponto é que para definir o modelo de trabalho da sua empresa, você precisa, antes, entender algumas coisas:
- Como cuidar da cultura do negócio? Este é o ponto mais valioso para qualquer negócio sadio. A forma como as pessoas tomam decisões, definem metas e estratégias, se comunicam, recrutam, desenvolvem pessoas e até mesmo o jeito de se vestir são baseados na cultura e nos símbolos e rituais criados e amadurecidos ao longo dos anos. Para um novo formato de trabalho, pensar em como manter fortes estes aspectos é fundamental.
- Como o setor que você está inserido se comporta? O que seus clientes esperam, como funcionam as interações entre as áreas de negócio e o mercado? Quais são os momentos mais relevantes do ano e como é a dinâmica desses momentos? Eu entendo perfeitamente que ser disruptivo pode ser bom em vários sentidos e propostas ousadas de modelos de atendimento, canais de venda e entrega de produtos e serviços são coisas muito bem-vindas, mas isto é diferente de nadar contra a maré.
- O que as pessoas que trabalham com você esperam da empresa? E o que as pessoas que você ainda vai contratar esperam encontrar? Talentos, sejam os que já estão conosco ou os que queremos atrair estudam nossas empresas e têm expectativas sobre como sua rotina de trabalho será. Sua empresa está alinhada com estas expectativas? Lembre-se que as pessoas passaram quase três anos trabalhando durante a pandemia e elas sabem muito bem em que pontos as coisas funcionaram e em quais o calo apertou. Reorganizar o trabalho é totalmente sobre reter e atrair talentos.
Tendo esses pontos muito bem analisados, os seguintes passos podem ser levados em consideração:
- Faça testes: ninguém precisa ter certeza absoluta de nada e experimentar pode ser uma ótima forma de aprender. Quando for necessário, recue. É normal e faz bem para a saúde.
- Envolva as áreas de negócio nas discussões: cada área sabe da sua rotina, suas pessoas e suas interfaces. Tomar uma decisão centralizada aumenta o risco de falha absurdamente!
- Comunique de maneira muito transparente: as pessoas precisam entender o que é esperado e quais são as regras. Quando se implantam modelos novos de trabalho tudo vira novidade: Da compra de passagens à reserva de sala dos escritórios. Deixe as expectativas muito claras! E não se esqueça de fazer o mesmo com seus clientes
- Olhe para todos os processos impactados: agenda de reuniões, modelos de avaliação de desempenho, metas, orçamento, escritórios, acesso a sistemas etc. Em modelos de trabalho novos, tudo é impactado, pois 100% dos modelos da maioria das empresas foram desenhados para um mundo presencial.
- Esteja convencido de que não existe formato único: entre as suas áreas de negócio há necessidades diferentes; e tentar encaixar todas elas dentro de um formato sem flexibilidade torna seu modelo bem pouco crível.
- Prepare gestores: eles receberão centenas de perguntas e terão que ficar atentos a centenas de novos processos. Deixe os canais abertos e empodere a decisão dos líderes. Eles são a chave do sucesso de qualquer política.
- Cuide do vieses: avaliar e observar pessoas em modelos de trabalho híbrido, muitas vezes, pode enviesar a forma como entendemos a performance. O ambiente que as pessoas estão contém diversos outros desafios do dia a dia, diferentes daqueles do escritório, e precisamos ter empatia e entender no detalhe a consequência disso. Trabalhos híbrido e flexível são coisas totalmente diferentes da hiperconectividade. Não espere respostas imediatas e nem conexão 24 horas por dia.
- Cuide da saúde mental das pessoas: a tendência ao se trabalhar de maneira remota é de as pessoas ficarem mais horas conectadas ou em reuniões. Um estudo da Microsoft mostra que 48% dos funcionários e, especificamente, 53% dos gestores relatam que já passaram por burnout. Olhos abertos!
- Dê motivos para as pessoas se encontrarem: O mesmo estudo acima mostra que 84% das pessoas se sentem motivadas em socializar pessoalmente, enquanto 78% dizem que querem mais motivos para ir ao escritório. Ou seja, crie momentos especiais e que o conceito de “trabalhar” no escritório mudou. Se antes ficávamos no computador e tirávamos um tempo para o cafezinho, agora, a lógica se inverteu e, quando estamos presenciais, basicamente falta tempo para trabalhar…rssss
- Acerte as expectativas: O mundo segue sendo presencial, mas pode ser mais equilibrado. Os modelos flexíveis têm ampliado e isso se verifica no número de vagas flexíveis 496% maior, neste link (Época Negócios), porém, isso representa somente 372 mil das aproximadamente 5 milhões de vagas criadas no mesmo período no Brasil. Melhor, mas precisamos encarar os fatos e lidar com as expectativas das pessoas. Nesta outra pesquisa (Olhar Digital), 58% das pessoas afirmam que preferem trabalho remoto ou híbrido. Este alinhamento é urgente e necessário.
Chego ao final das dicas neste longo texto, pois acredito que o tempo das pessoas é tão valioso e tão complexo, que poucos parágrafos não conseguiriam ilustrar minha visão sobre o tema.